Ary dos Santos em semana de homenagem

|


         Há verbos que se “colocam” bem com as palavras poesia ou poema. São eles: escrever, compor, ler, dizer, recitar, saber de cor, dedicar, … José Carlos Ary dos Santos protagonizou todas estas acções. Quem, como muitos de nós, o conhecemos nos convívios académicos e clandestinos nas Universidades, nos anos setenta, pode acrescentar: gritar, arrebatar, ser… poesia. A convicção da sua verdade era de corpo inteiro. “ Vê-lo a recitar passava por imagem de marca: um corpo encimado por um triplo queixo, a voz tonitruante como se a palavra fosse a primeira invenção da pedra esculpida, as mãos que nem segurando as rimas se aquietavam. Agigantava-se no ‘dizer, como se acreditasse por inteiro estar-lhe reservado o papel de elevador do ‘patamar do gosto’.” (Mendes, J. in Expresso, 28 de Novembro, 2009).




Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.


Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.


Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.


Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.
José Carlos Ary dos Santos
Kyrie

Em nome dos que choram,
Dos que sofrem,
Dos que acendem na noite o facho da revolta
E que de noite morrem,
Com a esperança nos olhos e arames em volta.
Em nome dos que sonham com palavras
De amor e paz que nunca foram ditas,
Em nome dos que rezam em silêncio
E falam em silêncio
E estendem em silêncio as duas mãos aflitas.
Em nome dos que pedem em segredo
A esmola que os humilha e os destrói
E devoram as lágrimas e o medo
Quando a fome lhes dói
Em nome dos que dormem ao relento
Numa cama de chuva com lençóis de vento
O sono da miséria, terrível e profundo.
Em nome dos teus filhos que esqueceste,
Filho de Deus que nunca mais nasceste,
Volta outra vez ao mundo!
Ary dos Santos
Vinte anos de poesia



Na/da biblioteca da escola pode ler, ver e ouvir:




0 comentários:

 

©2009 ESCOLA SECUNDÁRIA ALVES MARTINS | Template Blue by TNB