“Era um homem magro, com uma figura esguia; media 1,73 m de altura. O tórax era pouco desenvolvido, bastante metido para dentro, apesar da ginástica sueca que praticava. As pernas eram altas, não muito musculadas e as mãos delgadas. Um andar desconjuntado e o passo rápido, embora irregular, identificavam a sua presença à distância.
Vestia habitualmente fatos de tons escuros, cinzentos, pretos ou azuis. Usava também chapéu, vulgarmente amachucado, e um pouco tombado para o lado direito.
O rosto era comprido e seco. Por detrás de uns pequenos óculos redondos, com lentes grossas, escondiam-se uns olhos castanhos míopes. O seu olhar quando se fixava em alguém era atento e observador, às vezes mesmo misterioso. A boca era muito pequena, de lábios finos, e quase sempre semicerrados. Usava um bigode à americana que lhe conferia um charme especial. Quando falava durante algum tempo e esforçava as cordas vocais, um dos seus pontos sensíveis, o timbre de voz alterava-se, tornando-se mais agudo e um pouco monocórdico.
Embora não muito dado ao riso, Fernando Pessoa tinha uma certa ironia e algum humor, sobretudo se estava bem disposto, o que acontecia algumas vezes quando os amigos mais próximos o desafiavam para jantares.
O seu temperamento ansioso foi interpretado por alguns dos seus biógrafos como uma personalidade do tipo emotivo não activa. No fundo, era um tímido introvertido, dado a fortes instabilidades de sentimentos e de emoções.
Era reservado e não gostava falar de si nem dos seus problemas, protegendo o mais possível a sua privacidade. Terrivelmente supersticioso, tinha momentos em que se comportava de uma forma enigmática e misteriosa, a que decerto não seria alheia a sua velha atracção pelo oculto, o esotérico e a própria relação metafísica que tinha com a vida.
Sabe-se que Pessoa tinha algumas fobias: não suportava que lhe tirassem fotografias, não gostava de falar ao telefone e tinha terror às trovoadas. Sabe-se que coleccionava postais e que era filatelista. Para além de gostar de ler, e a sua biblioteca comprova os muitos livros que “devorou”, apreciava música clássica: Beethoven, Chopin, Mozart, Verdi e Wagner foram seguramente alguns dos seus compositores favoritos.
Apesar da sua vida retirada, monástica quase, Pessoa teve amigos. Tal facto não é de estranhar porque era um homem bondoso, de uma grande nobreza de carácter, sempre disponível para ajudar os outros.”
in
À mesa com Fernando Pessoa/Luís Machado; pref. Teresa Rita Lopes – Lisboa: Pandora, 2001.
Fernando Pessoa
Poesias Inéditas
Bem, hoje que estou só e posso ver
Com o poder de ver do coração
Quanto não sou, quanto não posso ser,
Quanto se o for, serei em vão,
Hoje, vou confessar, quero sentir-me
Definitivamente ser ninguém,
E de mim mesmo, altivo, demitir-me
Por não ter procedido bem.
Falhei a tudo, mas sem galhardias,
Nada fui, nada ousei e nada fiz,
Nem colhi nas urtigas dos meus dias
A flor de parecer feliz.
Mas fica sempre, porque o pobre é rico
Em qualquer cousa, se procurar bem,
A grande indiferença com que fico.
Escrevo-o para o lembrar bem.
Contributo da Professora
Rosa Lopes